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Autonomia e Democracia nas Empresas
Gestões autoritárias dão a impressão de gerar menos conflitos e serem mais eficientes, mas afastam as equipes da responsabilidade e inviabilizam seu amadurecimento. Publicado em 01.06.2013 - Edição 765Liberdade,autonomia e democracia são daquelas palavras que, de tão comuns no nosso cotidiano, parecem fazer parte da natureza do ser humano. Usadas tão intensamente na nossa vida, parecem naturais, quase direitos adquiridos: basta nascer que somos livres, autônomos e democratas. Pouco nos damos conta de quantas guerras e vidas foram perdidas até que pudéssemos introduzi-las no nosso repertório linguístico e na nossa vida.
Causa estranheza, inclusive, ouvir falar de sociedades nas quais ainda há pessoas que necessitam de autorização para sair às ruas, não sem antes cobrirem-se todas, ou em um país cujo futuro seja decidido pelo nascimento ou pela indicação de um ou poucos privilegiados. Não queremos acreditar que tais pessoas e sociedades existem e, por isso, reputamos a elas a condição de povos “primitivos” e “atrasados” do Oriente ou ainda “não civilizados”. Mas cabe uma pergunta: “Queremos mesmo liberdade, autonomia e democracia?”.
Difícil imaginar alguém que responda não. Será? Quando renunciamos ao nosso voto nas eleições em prol de alguém que não conhecemos ou por um favor, defendemos a democracia? Exercemos nossa autonomia? Somos livres? Penso que não. O conflito entre aquilo que desejamos e aquilo que fazemos é enorme e não deve ser desconsiderado. Pelo contrário, precisa ser entendido dentro da correlação de numerosas forças que nos impulsionam para a criação e outras que nos amarram à repetição e à acomodação. Assumir nossas escolhas, particulares e sociais, e ser responsável por elas são tarefas árduas que exigem persistência, mas são a condição para a autonomia.
Liberdade, autonomia e democracia são conquistas, fruto de muita luta e exigem um grande exercício de atualização. Não dá para defender esses valores apenas de vez em quando. Eles exigem um esforço contínuo para assegurar seu lugar na sociedade, seja pelo voto, pela batalha por direitos individuais e coletivos ou pelo Estado de Direito. Se, por um lado, nos liberta da subserviência, essa persistência, por outro, nos amarra na relação com outros que se tornam igualmente responsáveis pela manutenção da organização social. A autonomia liberta, mas não somos livres sozinhos. Às vezes os exercícios da autonomia e da democracia parecem tão difíceis que chegamos a desejar o retorno a modelos autoritários, sob o pretexto de que eles seriam mais eficientes.
Nas empresas não é diferente. Embora se fale muito em autonomia e horizontalidade e a democracia seja, aparentemente, o anseio de todos, é necessário também um efetivo esforço dos gestores e das equipes para sustentar permanentemente uma pactuação em torno desse valor comum e sua efetiva validação na organização. Quando não há a firme sustentação dos gestores de uma prática democrática na empresa, vê-se com frequência a emergência de medidas autoritárias que impedem o desenvolvimento da autonomia e o exercício da liberdade. Seja porque o gestor não suporta perder seu papel simbólico de “chefe” diante da equipe, daquele que decide — por achar que dividir e compartilhar a responsabilidade pelas decisões é perder poder e prestígio —, seja pelas equipes que, diante da responsabilidade de tomar as rédeas do futuro da organização, fraquejam e temem responsabilizar-se por esse futuro.
Nesses casos, rapidamente perde-se a dimensão da autonomia e da horizontalidade e apela-se à hierarquia para a tomada de decisões estratégicas que mantêm as relações organizacionais baseadas na submissão. Tais modelos de gestão dão a falsa impressão de que suscitam menos discussões, menos conflitos, são mais céleres e, portanto, mais eficientes. No entanto, são perigosos por serem alienantes, isto é, afastam as equipes da responsabilidade pelos destinos da empresa e inviabilizam seu amadurecimento.
As empresas devem investir na formação de equipes e gestores autônomos e democráticos, sabendo que para isso é necessário um exercício persistente de compromisso com esses valores, não sem conflitos e crises. Só assim surgirão equipes mais maduras, engajadas no trabalho, ligadas aos valores da empresa e comprometidas com a construção de uma sociedade mais justa.