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Luxo ou conforto. E economia ou psicologia

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Publicado em 28.04.2020 -

 Desejar, atribuir valor e pagar alto preço por um produto ou serviço de luxo é uma decisão individual, além de já ser, por si, um ato que sinaliza costume, ambiente cultural e interesse pessoal. Por exemplo: ter no pulso um relógio de R$ 400,00 ou R$ 40.000,00; portar uma bolsa de R$ 500,00 ou de R$20.000,00; escrever com uma caneta Montblanc ou Bic; hospedar-se confortavelmente pagando diária de R$400,00 ou de R$4.000,00; andar bem num carro de R$ 50.000,00 ou R$500.000,00. Evidentemente são decisões pessoais para quem, é claro, financeiramente pode fazer tais escolhas (muitas vezes pagando até bem mais). Para outras pessoas, a maioria, pode ser apenas um mero desejo ou sonho. Já um terceiro grupo vê essas opções como estranhas, porque não percebe valor em pagar muito mais para atender a mesma necessidade humana (evidentemente não se fala na opção de fazer uma longa viagem de avião em classe executiva ou econômica, porque isso é questão de conforto, não de luxo).

No trecho acima queremos destacar quatro palavras: desejo, necessidade, luxo e conforto, ressaltando o impacto econômico e psicológico que essas expressões trazem em si mesmas.
Por desejo aqui se entende almejar conscientemente alguma coisa, sonhar acordado com ela, assim, é algo que só o ser humano possui. Já a necessidade dividimos em duas partes: as humanas e as básicas. Essas últimas se mostram como um fenômeno presente em qualquer animal, porque estão relacionadas à fisiologia, percebida na manutenção e reprodução da vida: comer, beber, descansar, dormir e fazer sexo.
Por sua vez, as necessidades exclusivamente humanas têm o componente espiritual também atuando nelas. São coisas que os sentidos nos trazem, misturando desejo e necessidade, embora já sejam vistos também sentimentos nos animais mais próximos aos seres humanos, na forma de carinho e amor. De fato, nosso toque afetuoso até os animais “desejam”, mas o amor espiritual, conscientemente tomando conta de nós, é um sentimento exclusivo do ser humano (os animais domésticos até têm “amor” por seus donos, mas não refletem sobre essa sensação – pensando numa linha nietzschiana, ousamos dizer que eles não tem energia espiritual. Essa, para o filósofo, é uma energia presente na Terra, como outra qualquer).
Agora, tratando do desejo de possuir artigos ou serviços de alto luxo, como o desejo se combina com as necessidades humanas? Lembra-se que elas conformam um fenômeno inerente à vida: se as necessidades básicas não forem atendidas, prejudicam a saúde e causam morte; e, se as necessidades espirituais (“sonhos acordados”) não forem satisfeitas podem levar ao desatino (a mais básica das necessidades espirituais é o sexo, que cientificamente a psicanálise coloca como o fundamento de todos os desejos, algo “humano, demasiado humano”). Aqui voltamos para a questão que inicia este artigo: “Desejar, atribuir valor e pagar alto preço por um produto ou serviço de luxo é uma decisão individual, além de já ser, por si, um ato que sinaliza costume, cultura e interesse pessoal”. 
É justamente no desejar que a psicologia se cruza com a economia. E esse cruzamento ocorre exatamente no ponto ocupado pela atribuição do valor às coisas da vida, sendo a valoração variável entre as pessoas, embora na economia se encontrando uma síntese, simplesmente, no preço que cada um se dispõe a pagar.
A dificuldade social ocorre porque na psicologia não é tão fácil, como na economia, encontrar-se o ponto de equilíbrio onde, para compradores e vendedores, igualam-se os valores. De fato, valorar em termos psicológicos, é muito difícil, porque as nossas necessidades de fato são finitas, mas os desejos tendem ao infinito e o homo sapiens quase não para pensar em equilibrá-los nas suas mentes, investindo pouco em conhecer a si mesmo com profundidade. Com efeito, normalmente as pessoas colocam os valores dos desejos acima dos das necessidades, logo, dificultando a harmonia psicológica e o conforto mental.
Como as mentes individuais não conseguem facilmente equilibrar necessidades com desejos, pelo contrário, a cada dia a economia estimula o desejo de materialmente consumir mais luxo, pensamos que se não houver uma mudança na hierarquia dos valores sociais, com as pessoas voltando-se de modo efetivo para atender espiritualmente os seus desejos de conforto, a desigualdade social tende a ir para o infinito com os desejos do luxo. Talvez seja chegado o tempo da psicologia realmente se tornar a rainha das ciências, conforme o expresso desejo de Nietzsche, ultrapassando a economia como balizadora dos valores sociais.
Parece que a Terra é pequena para atender todos os humanos com luxo, mas tem potencial para acolher com conforto – a natureza é prodiga, desde que saibamos viver em harmonia, como nos mostram os sistemas ecológicos que sempre estão em equilíbrio, se não fossem perturbados pelo homo sapiens e pelo acaso incontrolável.
 

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