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Desigualdade social. E daí?

Políticas sociais devem ser tratadas de forma estratégica para garantir a democracia.
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Publicado em Sun Oct 12 18:31:00 UTC 2014 - Edição 836
Quase todos nós somos intuitivamente a favor da redução da desigualdade. Nem pensamos muito a respeito antes de nos manifestar. Afinal, desde sempre escutamos o termo desigualdade social atrelado apenas a uma carga negativa, a um mal. Por outro lado, também concordamos que as pessoas que se esforçam mais e que inovam mais correm riscos e precisam ser recompensadas de maneira desigual, pelo bem da sociedade. Essa aparente encruzilhada de posições evidencia, então, que a política e a economia na verdade não são feitas de dualismos, de preto ou branco. 
 
O nosso engajamento e cuidado com esses temas são fundamentais exatamente porque não existe um caminho naturalmente correto, e as nossas atitudes devem influenciar o rumo que as políticas públicas tomam, aterrissando em algum ponto nessa complexa escala de tons de cinza. 
 
A desigualdade social acentuada, como a que ainda enxergamos no Brasil, tem um impacto negativo direto na democracia, pois a concentração de poder econômico se transforma, por diversas maneiras e em variados graus, em concentração de poder político. É quando as preferências da maioria da população passam a importar menos — mesmo que representem mais votos — do que as da minoria, que concentra a riqueza. 
 
As políticas sociais de redistribuição de renda são muito estratégicas, portanto, para a qualidade da democracia. As reflexões sobre os programas sociais podem e devem abordar, os questionamentos sobre se os beneficiários merecem ou não esse auxílio ou se os programas de assistência provocarão o desestímulo ao trabalho, por exemplo, mas precisam ir além. É preciso incluir na análise a noção de que não existe democracia de qualidade com alto nível de desigualdade. Ou seja, todos nós somos beneficiários dos resultados da redução da desigualdade, através de um país mais estável.
 
É bem verdade também que desigualdade é sinônimo de liberdade. Somos diferentes e aspiramos a objetivos diferentes. Associar a desigualdade a um valor tão desejado e defendido como a liberdade pode ser provocador. É bom demais perceber que superamos um pouco mais a cada dia as brigas ideológicas entre capitalistas e comunistas, direita e esquerda. Hoje, temos a possibilidade de ver respeitados economistas defenderem, ao mesmo tempo, por um lado, o capitalismo, o livre mercado e a propriedade privada e, por outro, medidas sérias de redistribuição de renda.
 
Os instrumentos para a redução da desigualdade são muitos. Um deles — aliás, o mais poderoso deles, é o acesso à educação de qualidade. Esse é um instrumento de longo prazo. Quanto aos de curto prazo, cabe a nós analisá-los cuidadosamente, não só de forma superficial ou emocionada. Somos livres para construir os nossos argumentos e para fazer as nossas escolhas. Mas é preciso lembrar que a liberdade precisa vir sempre acompanhada de responsabilidade — e é somente a responsabilidade perante as nossas atitudes que nos levarão a evoluir enquanto sociedade. Sejam quais forem, que as nossas atitudes sejam cuidadosamente avaliadas.

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