Coluna

|Variedades - Opinião - Roberto Montezuma

Coluna

|Variedades - Opinião

Veja por autor

A Cidade do Passo: Como o Carnaval Urbaniza a Cidade

Durante os quatro dias de festa, o poder público devolve ao uso das pessoas as ruas que lhes foram subtraídas, mostrando que é viável, sim, um pacto de urbanidade.
whatsapp linkedin
Publicado em Fri Feb 22 19:31:00 UTC 2013 - Edição 751

 

Espero que o Carnaval tenha sido para o cidadão recifense – assim como é para mim, há anos e na condição de urbanista – uma oportunidade de observar que somente nessa ocasião a cidade volta a dar prioridade ao pedestre. Espero, ainda, que todos tenham observado como o Carnaval é nossa maior apropriação urbana, ocasião em que as questões de mobilidade mais prementes passam a ser resolvidas no passo, seja do pedestre ou do passista. Pena que seja uma intervenção efêmera. Com a credencial de ter participado das discussões urbanísticas que tão acaloradamente alimentaram o pleito municipal de 2012, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU/PE) levanta uma questão: por qual motivo somente durante o Carnaval o Poder Público devolve ao uso das pessoas as ruas que lhes foram subtraídas? 
 
O reconhecimento do Sítio Histórico de Olinda como Patrimônio da Humanidade e a revitalização do Bairro do Recife incentivaram, sem dúvida, o Carnaval de rua, mas a festa também ocorre em áreas que não foram revitalizadas nem são tombadas, como a Guararapes e os subúrbios. Esse é o momento oportuno de refletir sobre a cidade que precisamos hoje e, sobretudo, num futuro que se aproxima, com a comemoração dos 500 anos do Recife, em 2037. A título de contribuição para esse debate, o CAU/PE, em colaboração com vários parceiros locais e a participação internacional do Architectuurcentrum Amsterdam (Arcam), promoveu o workshop rXa, de onde surgiu a ideia da Árvore da Água (Water Tree) como orientadora de uma intervenção urbana de longo prazo e sistêmica na cidade do Recife. Além dessa Árvore da Água, o Carnaval poderia também inspirar uma nova ordem urbana para o Recife e para sua Região Metropolitana.
 
Observemos como no Carnaval o Poder Público coordena, na estrutura urbana, ações da arquitetura, das artes plásticas, do design, da paisagem e da engenharia. Como são criadas atrações que incentivam o caminhar mesmo em longas distâncias e em condições pouco favoráveis. Encontra também a motivação para criar infraestrutura, apoio e segurança, independentemente das condições orçamentárias. Nas ruas há vida noite e dia. No centro e nos bairros, elas se abrem para os pedestres e se fecham para os automóveis. Espontaneamente, o rio volta a ser navegado no desfile do Galo da Madrugada. O transporte público é racionalizado. O automóvel assume o papel de meio de transporte eventual, e, para longos percursos, as pessoas o deixam em casa porque, de um momento para o outro, ele se revela desvantajoso. 
 
Proponho que essa festa, tão viva em Pernambuco, venha orientar os planos para a cidade que precisamos. A cidade, sob uma “ordem carnavalesca”, teria sua mobilidade organizada hierarquicamente, priorizando o pedestre, valorizando o transporte público e colocando o transporte individual motorizado como um recurso último. Com ideias tiradas do contexto, autorreferenciadas, criam-se possibilidades de recuperar a urbanidade perdida pela adoção no passado de soluções estritamente tecnicistas ou simplesmente pela falta de ideias do tempo presente. A cidade do século XXI pode vir a ser, novamente, aquela da escala humana mesmo sendo metropolitana.  
 
Respondendo à questão aqui colocada, o Recife volta a ser preferencialmente do pedestre durante o Carnaval porque nele se dá um pacto pela urbanidade entre o Poder Público, empresas, técnicos, artistas e o povo em geral, que se produz espontaneamente nos dias de Carnaval, e não no restante do ano. A manutenção desse pacto para todo o ano é fundamental para o projeto do Recife 100% Cidade.

 


Rede Gestão