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Propriedade Intelectual: a Imortalidade do Autor

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Publicado em Mon Mar 28 22:12:00 UTC 2005 - Edição 339

A propriedade intelectual nasce da criação intelectual. A Constituição Federal, no capítulo que trata "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", sacramenta o direito do autor sobre sua obra, ao dispor que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar".

 

O regime jurídico que regula os direitos autorais no Brasil está disposto na Lei 9.610, de 19/02/98. Entre as obras intelectuais protegidas, estão os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; as obras dramáticas e dramático-musicais; as composições musicais; as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; os projetos, esboços e obras plásticas concernentes a geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência, entre outras.

 

É importante ressaltar que não é apenas a questão patrimonial que norteia os direitos do autor sobre a sua obra intelectual. Há, também, os atributos de natureza moral, classificados como direitos da personalidade. Assim, o direito autoral tem uma natureza jurídica sui generis, em virtude da presença de suas características pessoais e patrimoniais. Estabelece o artigo 22 da mesma Lei: "Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou".

 

Analisando o instituto da propriedade no seu sentido amplo, observa-se que existe um vínculo jurídico que submete o objeto do direito ao poder de seu titular. Havendo transferência dessa propriedade, seja por venda, sucessão ou doação, deixa de haver este liame jurídico. Assim, se o criador de uma escultura vende a sua obra artística a outrem, extingue-se, entre o autor e a obra, a relação jurídica de propriedade, que antes os vinculava. Isso ocorre em virtude da característica da disponibilidade dos direitos patrimoniais do autor.

 

Entretanto, os direitos morais do autor, por serem uma modalidade dos direitos da personalidade, são indisponíveis e, conseqüentemente, intransferíveis e irrenunciáveis. Assim, o vínculo de direito personalíssimo existente entre o autor e a sua obra não se extingue com a transferência da propriedade. Nesse sentido, em seu artigo 27, a Lei n 9.610 estabelece que "Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis".

 

Um exemplo: uma empresa que fabrica e comercializa móveis escolares, sem que estes tenham design original, vende mesas e cadeiras a uma determinada universidade. Ora, a instituição, nova proprietária dos móveis, pode dar-lhes o destino que melhor lhe convier, inclusive, alterando-lhes a estética. Entretanto, se a mesma instituição adquire uma obra de arte, não lhe é permitido modificar um detalhe sequer dessa obra. Ao contrário, tem, o adquirente, por imposição legal, a obrigação de manter a sua integridade, conservando a obra inédita.

 

Os direitos morais de autor estão elencados no artigo 24 da Lei 9.610/98. Ela determina que “são direitos morais do autor: I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra; III – o de conservar a obra inédita; IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; (...)”. O § 2º estabelece que “compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público”. É de se ressaltar que ingressam no domínio público os direitos patrimoniais do autor, e não os de natureza moral.

 

Se compararmos o direito autoral com a patente, título que confere monopólio legal ao titular de um invento, será possível constatar que há, entre esses dois bens intelectuais, algumas diferenças básicas, com destaque para o tempo de proteção legal. Com efeito, a patente de invenção vigora pelo período de vinte anos. Expirado este prazo, cai a invenção em domínio público, e qualquer pessoa pode fabricar o produto que, antes, era monopólio do inventor.

 

Diante disso, é de se indagar: por que o legislador incumbiu o Estado de preservar um direito moral do autor — o de manter a integridade e autoria de sua obra — mesmo quando o direito patrimonial sobre esta já caiu em domínio público? Na tentativa de encontrar uma explicação para esse privilégio do autor, invocamos o artigo 7º da Lei em exame, o qual estabelece que "são obras intelectuais protegidas as criações do espírito". Ora, para os que acreditam no legado de Cristo, o espírito é imortal. Talvez aqui resida, ainda que inconscientemente, a razão de ser da tão falada "imortalidade do autor".

 

Deveras, só a imortalidade do autor pode justificar a perpetuidade dos direitos morais que ele exerce sobre os frutos de sua criação, direitos esses que não se extinguem, sequer, com a sua morte orgânica. Daí por que se afirma que "o autor vive na obra", assim como o cridor vive na criatura.


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