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O Cliente é o Rei!

No filme O Discurso do Rei, o atendimento do terapeuta Lionel Logue ao rei George VI permite reflexões interessantes sobre a relação cliente x prestador de serviços.
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Publicado em Sun May 15 14:06:00 UTC 2011 - Edição 658

          Dentre tantas leituras que o filme O Discurso do Rei pode ensejar, convido o leitor a fazer aquela que o veja como um case de excelente atendimento. Nesse sentido, o cliente é literalmente o rei — o rei da Inglaterra George VI, pai da atual rainha Elizabeth II.  
          O enredo, como se sabe, nos diz que o então Duque de York padecia de uma gagueira que o afligia em suas obrigações sociais, levando-o a viver um círculo de vergonha e dor. A dificuldade com a fala e sua sustentada articulação não só se configurava um problema psicológico e aparentemente mecânico, como também uma deficiência dramática em face dos códigos sociais e de conduta. A situação se agrava quando, após a renúncia do irmão ao trono, o Duque de York se torna o novo rei da Inglaterra, líder e senhor imperial do Reino Unido em meio à Segunda Guerra Mundial. O poder e o dizer parecem então irreconciliáveis, quando, em verdade, são irmãos siameses. Enfim, depois de ter frequentado em vão os mais diversos especialistas da época, o futuro rei chega ao singular (não diria ao “excêntrico”, como comentam as resenhas do filme) terapeuta Lionel Logue. Daí por diante, numa relação a princípio tumultuada, inicia-se a reversão do drama pessoal e social do angustiado soberano.
          O atendimento de Lionel ao rei nos deixa algumas lições. A primeira delas é a de que a cena do atendimento deve ser precipuamente profissional. O cliente é o rei não porque seja o Rei, mas porque é o foco da atenção num espaço que exclui — por profissional que é — a ingerência do poder. Lionel estabelece a igualdade e o respeito mútuo como condição sine qua non para que seu método funcione.
          Numa outra lição, Lionel também nos ensina que servir não é nunca ser subserviente. O cliente é o rei, mas o prestador de serviço não é nem deve ser um áulico, um cortesão, que apenas diz “sim” e se acomoda às facilidades. Lionel, ao contrário, mostra-se exigente e, mais que isso, persistente em atingir sua meta. Ele não desiste e faz com que seu cliente não desista, e isso com o humor e a delicadeza que lhe são característicos.
          O rei (o cliente), sabemos, não está em busca de um divã ou de um analista, mas uma visão psicológica bem focada ajuda a vencer suas defesas e a desconstruir sua carência, dando-lhe a autoconfiança de que necessita. Lionel traz de seu amor pelo teatro essa habilidade com os múltiplos discursos que tecem a trama complexa e agônica do humano. 
          O subenredo — digamos assim — do atendimento também passa por contrastes e confrontos, chegando mesmo ao ponto de uma ruptura. Lionel falha, mas sabe ser humilde para se retratar e recompor o relacionamento, o que estimula o rei a fazer o mesmo. A lição da humildade afasta de uma vez a fantasia de onipotência de ambas as partes. O foco deve ser a meta a ser atingida, e, para tanto, a objetividade não pode ser perdida de vista. Dessa forma, o esforço conjunto — do cliente e do prestador de serviço — tem de ser construído dia a dia a partir inclusive do que parece pouco, escasso ou simplesmente trivial.
          O fator tempo — lembra outra lição do filme — deve ser aproveitado do modo mais favorável possível, sobretudo porque é obviamente no tempo que se verificam os progressos realizados. Mas não é só isso que importa para o atendimento. Algo mais importante está em jogo: o fortalecimento dos vínculos pessoais, a consolidação da confiança recíproca. O tempo alimenta esses vínculos, torna-os, eles próprios, uma seiva fecunda para o atendimento. Não por acaso, o rei e Lionel se tornam bons amigos. E o triunfo pertence aos dois, cada qual com sua parte. O discurso é do rei, mas a nobreza é de ambos.


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